sábado, 13 de junho de 2009

Lince: Criação em cativeiro não basta

No dia em que é inaugurado o Centro Nacional de Reprodução do Lince Ibérico a Almargem convida à reflexão sobre o porquê da necessidade desta infra-estrutura e sobre a premência de outras medidas complementares para garantir o sucesso do projecto de recuperação do lince em Portugal.
Aproveitando a inauguração do Centro Nacional de Reprodução do Lince-Ibérico na Herdade das Santinhas em Silves, a Associação Almargem gostaria de tecer algumas considerações:

1. A situação lamentável a que se chegou com a extinção do lince-ibérico em Portugal, fica a dever-se à incompetência dos responsáveis governamentais que, durante anos, preferiram propalar números fantasiosos acerca da população existente nomeadamente na Serra Algarvia, e nada fizeram para evitar a degradação dos habitats e o desaparecimento dos derradeiros exemplares reprodutores.

2. Se agora se investe com grande aparato num programa de reintrodução da espécie, tal se deve, exclusivamente, à imposição por parte da União Europeia de fortes medidas compensatórias relativas à construção da Barragem de Odelouca, justamente num dos últimos locais onde terá sido detectada a presença de lince em Portugal.

3. O programa andaluz de cria em cativeiro, iniciou-se em 2004 com cerca de meia dúzia de animais incapacitados para viver em liberdade. Em 2005 nasceram as primeiras crias e só no corrente ano de 2009 se atingiu o número mínimo de 60 animais, definido pelas autoridades espanholas como necessário para poder começar o processo de reintrodução de linces no ambiente natural. Se tudo correr pelo melhor, seriam precisos igualmente pelo menos 5 anos para que a Herdade das Santinhas estivesse em condições de libertar os seus primeiros animais. Importa, no entanto, recordar que, na Andaluzia, existem já 3 centros de cria, os quais têm sido regularmente reforçados com linces acidentados, provenientes das duas populações selvagens ainda existentes (Doñana e Andújar), situação que, obviamente, não vai acontecer em Portugal.

4. De nada servirá criar linces em cativeiro para eventual libertação na natureza, se o seu potencial habitat, em especial na Serra Algarvia e no Baixo Alentejo, não for devidamente preservado, recuperado e gerido essencialmente para esse fim. Estamos, no entanto, a falar de áreas quase inteiramente inseridas em coutadas de caça sobretudo dedicadas à perdiz e ao coelho, este último a presa principal do lince. Torna-se assim imperioso iniciar desde já um programa de formação e sensibilização dos caçadores, demonstrando ao mesmo tempo que é possível conciliar a futura presença de um grande predador com a existência de uma actividade regular de caça ao coelho. Em paralelo, devem ser tomadas medidas para evitar a repetição de acções que igualmente contribuíram para a situação actual, como sejam a ocorrência de incêndios florestais devastadores, a construção de grandes infraestruturas (estradas, barragens) em zonas sensíveis ou a plantação maciça de eucaliptos. As populações de coelho-bravo devem também ser alvo de um programa específico de recuperação.

5. Por outro lado, um cuidado muito particular tem de ser prestado às zonas que confinam com potenciais portas de entrada de linces, resultantes da previsível expansão natural das populações do sul de Espanha. A gestão adequada dos habitats linceiros deverá pois começar na bacia hidrográfica do Baixo Guadiana, nomeadamente entre Barrancos e o Nordeste Algarvio. Se o lince puder voltar a Portugal de forma espontânea, tal facto constituiria uma ajuda muito importante para a futura recuperação da espécie no nosso país, reforçando a razão de ser de um programa de cria em cativeiro.

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